Para os novos estudos de cognição canina não há raças mais inteligentes – cada cão tem um complexo perfil de inteligência, composto de diversas habilidades
Muitos ainda acreditam que cão inteligente é aquele que faz truques, repete movimentos ou obedece ao dono sem hesitar. Os novos estudos em cognição canina, no entanto, revelam que essa é apenas uma pequena parte da complexa inteligência desses animais, formada por um leque variado de sofisticadas habilidades. Memória, atenção, capacidade de tomar decisões ou solucionar problemas são algumas das características dos cachorros que têm sido investigadas em novos centros de pesquisas espalhados pela Europa e Estados Unidos. Segundo os cientistas, não há raças mais espertas que outras – cães têm perfis individuais de inteligência que, junto a uma incrível desenvoltura social, fazem com que sejam os animais de estimação mais populares do planeta. No Brasil, o número de cães superou o de crianças em 2013: são 52 milhões de cachorros contra 43 milhões de jovens até 14 anos, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com dados de 2013 e 2015.
“Os estudos têm nos mostrado que os cães não apenas são capazes de ler uma inacreditável variedade de sinais humanos, como quando apontamos algo ou estabelecemos contato visual, mas também conseguem conquistar a nossa atenção quando precisam de ajuda”, afirma a psicóloga americana Angie Johnston, do Centro de Cognição Canina da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.
Inteligência de cachorro
Os estudos sobre a cognição e inteligência dos cães começaram a se multiplicar nas duas últimas décadas, quando centros de pesquisa sobre o tema passaram a reunir biólogos, psicólogos e antropólogos dedicados a compreender a mente desses animais. Em 1994, Stanley Coren, especialista em comportamento animal da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, publicou A inteligência dos cães, livro que classificou 110 raças de cachorros. O ranking, baseado em uma pesquisa com duzentos treinadores, considerou a inteligência dos animais com base no grau de facilidade ou dificuldade para aprender e repetir comandos (a título de curiosidade, no topo da lista apareciam o border collie, poodle e pastor alemão e, nos últimos lugares, buldogue, basenji e galgo afegão). A edição ajudou a popularizar tanto a ideia de que há raças mais espertas do que outras como o conceito de que cães são animais inteligentes porque obedecem o dono. “Quando alguém diz que seu cachorro é inteligente, provavelmente está afirmando que ele é fácil de treinar. Porém, essa é apenas uma das habilidades do cão. Os novos estudos têm revelado que, se o cachorro é obediente, ele costuma ter menos facilidade para resolver problemas por conta própria – e solucionar problemas é uma das habilidades que consideramos mais fundamentais para o conceito de inteligência”, explica a italiana Claudia Fugazza, especialista em comportamento animal da Universidade Eötvös Loránd, na Hungria. Para os cientistas, inteligência é uma noção complexa, que, em geral, costuma ser definida como um conjunto de habilidades que caracteriza um indivíduo e o ajuda a tomar as melhores decisões. Como os pesquisadores trabalham com dados mensuráveis, preferem escolher uma ou outra dessas habilidades – como memória ou atenção – para fazer seus testes e chegar a conclusões. Nos últimos anos, os cientistas conseguiram colocar cães em máquinas de ressonância magnética ou acoplar sensores que conseguem captar sinais cerebrais e comportamentais. Os resultados dessas técnicas revelaram que a variedade de características cognitivas dos animais é muito mais ampla do que se imaginava. Além de não haver evidências de que esteja relacionada à raça, a inteligência dos cães inclui habilidades altamente sofisticadas como a capacidade de aprender, resolver novos desafios, tomar decisões ou ter independência para resolver seus próprios problemas. Um panorama das mais recentes descobertas sobre o assunto foi publicado em uma edição especial da revista Current Directions in Psychological Science, em outubro. Sem surpresas, os pesquisadores perceberam que os cães que têm altas notas na maior parte das capacidades cognitivas são os que mais dão trabalho aos seus donos. Eles são inquietos, não obedecem e podem se entediar com facilidade. Um estudo de setembro de 2016, feito pelo Centro de Cognição Canina de Yale, mostrou que os cães podem ser até melhores em solucionar desafios do que crianças de três e quatro anos. De acordo com os resultados, os animais tendem a tomar a decisão mais eficiente, em vez de simplesmente imitar as ações de um adulto. Outro estudo, da Universidade Eötvös Loránd, afirma que os cães sabem distinguir palavras e entonações como nós e usam para isso as mesmas áreas cerebrais que os humanos.
Perfis caninos
A existência de tantas habilidades, segundo os pesquisadores, está relacionada ao estreito convívio entre cães e homens. Domesticados a partir dos lobos, cerca de 15.000 anos atrás (algumas evidências demonstram que a domesticação pode ser ainda mais antiga, há quase 20.000 anos), os cachorros foram sendo moldados por nós ao longo da evolução. Aqueles que exibiam características mais úteis ao convívio humano, como a capacidade de caçar, pastorear rebanhos, fazer companhia ou defender territórios, foram acolhidos por nós e passaram sua herança genética adiante. Os cães atuais são uma espécie extremamente afeita à vida doméstica. Alguns pesquisadores afirmam que nós e nossos cachorros passam pela chamada “convergência evolutiva”, ou seja, quando seres vivos desenvolvem características semelhantes. Por essa razão quando os pesquisadores decidem medir as habilidades caninas, acabam procurando características muito parecidas às humanas. “Como evoluímos juntos, o ambiente natural de cães e humanos é o mesmo, o que nos ajuda muito na hora de estudá-lo”, afirma Claudia. Além do aperfeiçoamento da tecnologia, os cientistas contam nos últimos anos com a parceria dos donos de cães para fazer os estudos – conhecer o nível de inteligência de seu cachorro e incentivá-la é um convite altamente sedutor. Segundo os especialistas, os cães ganharam um papel fundamental nas famílias nos últimos anos e muitas pessoas consideram o animal de estimação como um membro da família. Da mesma forma que os pais querem que seus filhos tenham uma boa educação e entrem em boas universidades, estão dispostos a fazer testes e investir nas habilidades cognitivas de seus cães. A indústria pet percebeu a tendência e tem patrocinado centros de pesquisas – com os dados, podem criar gadgets e brinquedos que estimulem os animais. “Famílias têm várias oportunidades de aprender mais sobre seus filhos a partir do seu desempenho escolar, recitais de ballet, jogos de vôlei, entre outros. Mas é raro que participem de atividades extracurriculares com seus cachorros”, comenta. “Trazendo-os para o nosso centro, os indivíduos têm uma oportunidade de observá-los em um ambiente centrado nos cães e aprender mais sobre eles”, afirma Angie Johnston, do Centro de Cognição Canina da Universidade de Yale. Nesse centro de estudos, os donos levam, voluntariamente, seus cães para que participem de pesquisas e levantamentos feitos pelos cientistas. Os animais podem sair de lá com um certificado de ingresso na Ivy League (reunião das oito universidades mais prestigiadas americanas) e até mesmo diplomas de graduação ou mestrado em Yale. O especialista em comportamento animal Brian Hare, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, montou em 2012 o site Dognition, em que os donos fazem testes com seus cachorros e, pagando valores entre 19 e 79 dólares, podem receber um relatório completo sobre o perfil de inteligência de seu animal de estimação. Em cinco anos, 30.000 cães já receberam seus resultados. As informações enviadas pelos donos por meio do site, segundo os cientistas, são tão confiáveis quanto os testes feitos em laboratório, e podem ajudar os pesquisadores em seus estudos (o SensDog, uma coleira com um Apple Watch que recolhe dados sobre o cão e o envia ao celular do dono, é o mais inovador método de coleta de dados caninos à distância). Para montar o site, Hare reuniu estudos feitos nos últimos vinte anos e chegou a nove perfis, que demonstram a prevalência de certas habilidades cognitivas em relação a outras. Cães do tipo “expert” são hábeis em solucionar problemas, enquanto o “independente” não precisa dos donos para enfrentar as dificuldades caninas. Segundo o especialista, cães têm múltiplas inteligências – não há um cão mais esperto que outro, mas animais mais hábeis em algumas áreas. Confira abaixo os nove perfis de inteligência caninos, de acordo com o site Dognition:
Por Leticia Fuentes
Os estudos sobre a cognição e inteligência dos cães começaram a se multiplicar nas duas últimas décadas, quando centros de pesquisa sobre o tema passaram a reunir biólogos, psicólogos e antropólogos dedicados a compreender a mente desses animais. Em 1994, Stanley Coren, especialista em comportamento animal da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, publicou A inteligência dos cães, livro que classificou 110 raças de cachorros. O ranking, baseado em uma pesquisa com duzentos treinadores, considerou a inteligência dos animais com base no grau de facilidade ou dificuldade para aprender e repetir comandos (a título de curiosidade, no topo da lista apareciam o border collie, poodle e pastor alemão e, nos últimos lugares, buldogue, basenji e galgo afegão). A edição ajudou a popularizar tanto a ideia de que há raças mais espertas do que outras como o conceito de que cães são animais inteligentes porque obedecem o dono. “Quando alguém diz que seu cachorro é inteligente, provavelmente está afirmando que ele é fácil de treinar. Porém, essa é apenas uma das habilidades do cão. Os novos estudos têm revelado que, se o cachorro é obediente, ele costuma ter menos facilidade para resolver problemas por conta própria – e solucionar problemas é uma das habilidades que consideramos mais fundamentais para o conceito de inteligência”, explica a italiana Claudia Fugazza, especialista em comportamento animal da Universidade Eötvös Loránd, na Hungria. Para os cientistas, inteligência é uma noção complexa, que, em geral, costuma ser definida como um conjunto de habilidades que caracteriza um indivíduo e o ajuda a tomar as melhores decisões. Como os pesquisadores trabalham com dados mensuráveis, preferem escolher uma ou outra dessas habilidades – como memória ou atenção – para fazer seus testes e chegar a conclusões. Nos últimos anos, os cientistas conseguiram colocar cães em máquinas de ressonância magnética ou acoplar sensores que conseguem captar sinais cerebrais e comportamentais. Os resultados dessas técnicas revelaram que a variedade de características cognitivas dos animais é muito mais ampla do que se imaginava. Além de não haver evidências de que esteja relacionada à raça, a inteligência dos cães inclui habilidades altamente sofisticadas como a capacidade de aprender, resolver novos desafios, tomar decisões ou ter independência para resolver seus próprios problemas. Um panorama das mais recentes descobertas sobre o assunto foi publicado em uma edição especial da revista Current Directions in Psychological Science, em outubro. Sem surpresas, os pesquisadores perceberam que os cães que têm altas notas na maior parte das capacidades cognitivas são os que mais dão trabalho aos seus donos. Eles são inquietos, não obedecem e podem se entediar com facilidade. Um estudo de setembro de 2016, feito pelo Centro de Cognição Canina de Yale, mostrou que os cães podem ser até melhores em solucionar desafios do que crianças de três e quatro anos. De acordo com os resultados, os animais tendem a tomar a decisão mais eficiente, em vez de simplesmente imitar as ações de um adulto. Outro estudo, da Universidade Eötvös Loránd, afirma que os cães sabem distinguir palavras e entonações como nós e usam para isso as mesmas áreas cerebrais que os humanos.
Perfis caninos
A existência de tantas habilidades, segundo os pesquisadores, está relacionada ao estreito convívio entre cães e homens. Domesticados a partir dos lobos, cerca de 15.000 anos atrás (algumas evidências demonstram que a domesticação pode ser ainda mais antiga, há quase 20.000 anos), os cachorros foram sendo moldados por nós ao longo da evolução. Aqueles que exibiam características mais úteis ao convívio humano, como a capacidade de caçar, pastorear rebanhos, fazer companhia ou defender territórios, foram acolhidos por nós e passaram sua herança genética adiante. Os cães atuais são uma espécie extremamente afeita à vida doméstica. Alguns pesquisadores afirmam que nós e nossos cachorros passam pela chamada “convergência evolutiva”, ou seja, quando seres vivos desenvolvem características semelhantes. Por essa razão quando os pesquisadores decidem medir as habilidades caninas, acabam procurando características muito parecidas às humanas. “Como evoluímos juntos, o ambiente natural de cães e humanos é o mesmo, o que nos ajuda muito na hora de estudá-lo”, afirma Claudia. Além do aperfeiçoamento da tecnologia, os cientistas contam nos últimos anos com a parceria dos donos de cães para fazer os estudos – conhecer o nível de inteligência de seu cachorro e incentivá-la é um convite altamente sedutor. Segundo os especialistas, os cães ganharam um papel fundamental nas famílias nos últimos anos e muitas pessoas consideram o animal de estimação como um membro da família. Da mesma forma que os pais querem que seus filhos tenham uma boa educação e entrem em boas universidades, estão dispostos a fazer testes e investir nas habilidades cognitivas de seus cães. A indústria pet percebeu a tendência e tem patrocinado centros de pesquisas – com os dados, podem criar gadgets e brinquedos que estimulem os animais. “Famílias têm várias oportunidades de aprender mais sobre seus filhos a partir do seu desempenho escolar, recitais de ballet, jogos de vôlei, entre outros. Mas é raro que participem de atividades extracurriculares com seus cachorros”, comenta. “Trazendo-os para o nosso centro, os indivíduos têm uma oportunidade de observá-los em um ambiente centrado nos cães e aprender mais sobre eles”, afirma Angie Johnston, do Centro de Cognição Canina da Universidade de Yale. Nesse centro de estudos, os donos levam, voluntariamente, seus cães para que participem de pesquisas e levantamentos feitos pelos cientistas. Os animais podem sair de lá com um certificado de ingresso na Ivy League (reunião das oito universidades mais prestigiadas americanas) e até mesmo diplomas de graduação ou mestrado em Yale. O especialista em comportamento animal Brian Hare, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, montou em 2012 o site Dognition, em que os donos fazem testes com seus cachorros e, pagando valores entre 19 e 79 dólares, podem receber um relatório completo sobre o perfil de inteligência de seu animal de estimação. Em cinco anos, 30.000 cães já receberam seus resultados. As informações enviadas pelos donos por meio do site, segundo os cientistas, são tão confiáveis quanto os testes feitos em laboratório, e podem ajudar os pesquisadores em seus estudos (o SensDog, uma coleira com um Apple Watch que recolhe dados sobre o cão e o envia ao celular do dono, é o mais inovador método de coleta de dados caninos à distância). Para montar o site, Hare reuniu estudos feitos nos últimos vinte anos e chegou a nove perfis, que demonstram a prevalência de certas habilidades cognitivas em relação a outras. Cães do tipo “expert” são hábeis em solucionar problemas, enquanto o “independente” não precisa dos donos para enfrentar as dificuldades caninas. Segundo o especialista, cães têm múltiplas inteligências – não há um cão mais esperto que outro, mas animais mais hábeis em algumas áreas. Confira abaixo os nove perfis de inteligência caninos, de acordo com o site Dognition:
Por Leticia Fuentes
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