Vários leitores têm perguntado, nas redes
sociais, minha opinião sobre o estudo, publicado por cientistas
brasileiros no periódico internacional Explore, que
“comprovaria” comunicação com os mortos em cartas de Chico Xavier. Eu já
havia visto comentários a respeito, e entrevistas com pelo menos um de
seus autores, mas só recentemente consegui tempo para ler, com atenção, o
artigo em si. Uma análise detalhada daria margem a um texto até maior
que o que saiu na Explore, com suas nove páginas em coluna dupla, então o que vai aqui é um resumo bem superficial de minhas impressões.
A primeira coisa a tratar é a questão da publicação: para um cientista,
ver um trabalho sair num periódico internacional especializado é um
emblema de prestígio. Publicações assim também conferem ao estudo uma
aura de respeitabilidade que a grande mídia tende a levar bem a sério –
tanto que o artigo sobre Chico Xavier foi noticiado em veículos como O Globo.
Mas, se é verdade que a Elsevier , dona do Explore, é uma editora de prestígio no meio científico, suas publicações não têm, todas, a mesma qualidade ou importância. O Explore se
apresenta como um periódico da área de saúde, mas seu fator de impacto –
uma medida da relevância que a comunidade científica dá à revista – é
de 0,935. A principal publicação de saúde da mesma Elsevier, a Lancet, tem um fator de impacto de 39,207.
Com o título “Investigating the Fit and Accuracy of Alleged Mediumistic
Writing: A Case Study of Chico Xavier’s Letters” (Investigando o Acerto
e Precisão de Suposta Escrita Mediúnica: Um Estudo de Caso de Cartas de
Chico Xavier), o artigo tem, como principais autores, integrantes do
NUPES (Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde) da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, a UFJF. Envolve,
ainda, cientistas baseados na USP e, até, na Escócia. O estudo foi
financiado pelo governo do Estado de São Paulo, por meio da Fapesp.
O trabalho consiste na análise de afirmações tidas como verificáveis –
isto é, que podem ser classificadas, sem ambiguidade, como verdadeiras
ou falsas – contidas em 13 cartas psicografadas por Chico Xavier entre
1974 e 1979, e atribuídas ao espírito de J.P., um jovem de 24 anos que
havia morrido no início de 1974 na região de Campinas (SP).
O eixo central do estudo é a aplicação, a essas afirmações, de algo
chamado Escala Leak (“Vazamento”, em inglês), usada para classificar a
probabilidade de o médium ter tido acesso à informação apresentada por
meios “ordinários”. O argumento é que uma nota baixa nessa escala
permite concluir que meios diversos – extraordinários? – devem ser
considerados.
À primeira vista, até faz sentido: daria para imaginar que, se a chance
de uma informação chegar ao médium por meio comum é muito baixa, a
probabilidade alternativa – de transmissão extraordinária – é alta.
Afinal, as duas alternativas esgotam o universo de possibilidades: a
soma de ambas tem de ser 100%.
Mas há um problema filosófico sério escondido aí: extraordinário quer
dizer o quê, exatamente? Os autores insistem que o conteúdo das cartas
depõe contra “visões reducionistas da relação mente-cérebro”, o que pode
querer dizer que esse conteúdo sustenta qualquer coisa entre telepatia e
a existência de uma alma imortal que conversa com o médium. Os
pesquisadores não dizem para qual possibilidade estão torcendo, mas a
hagiografia de Chico Xavier contida no artigo dá uma boa pista. Mas será
que essa família de explicações é mesmo a única possível?
A questão é que o tal “método extraordinário” não precisa ser um
“método paranormal”. Pode ser, simplesmente, um método
natural-materialista-reducionista que escapou da definição arbitrária de
“normalidade” dos autores – definição que é, de fato, estreita demais, e
que exclui possibilidades “extraordinárias” que são, paradoxalmente,
bem ordinárias.
Fonte/http://revistagalileu.globo.com/blogs/olhar-cetico/noticia/2015/01/um-estudo-realmente-provou-que-chico-xavier-se-comunicava-com-os-mortos.html