A comemoração do domingo de Páscoa reafirma o poder da crença na volta à vida do filho de Deus morto na cruz, uma ideia que se fortalece com a passagem dos milênios
Por
que, depois de pouco menos de 2 000 anos, a crença na ressurreição de
Jesus Cristo, um dos mais extraordinários mistérios da fé, ainda exerce
efeito tão arrebatador? Disse o apóstolo Paulo, o grande disseminador
das palavras de Jesus, em suas cartas aos coríntios, anotadas no Novo
Testamento: "Se Cristo não foi ressuscitado, nós não temos nada para
anunciar e vocês não têm nada para crer. (...) Se Cristo não foi
ressuscitado, a fé que vocês têm é uma ilusão. (...) Se Cristo não
ressuscitou, os que morreram crendo nele estão perdidos. (...) Se a
nossa esperança em Cristo só vale para esta vida, nós somos as pessoas
mais infelizes deste mundo". A ideia da ressurreição foi a faísca do
cristianismo, que então deixou de ser uma seita do Império Romano para
se transformar na maior religião do planeta.
Três dias haviam se passado da morte agonizante de Jesus na cruz do
Gólgota, ponto final do calvário. Era uma madrugada de domingo, Páscoa
judaica. Ainda estava escuro, e Maria Madalena foi ao sepulcro ungir o
corpo de Jesus com especiarias. Ao se aproximar, viu o túmulo aberto e
saiu correndo para avisar os discípulos. Eles entraram e encontraram o
sepulcro vazio. Apenas a mortalha que envolvia o corpo de Cristo estava
lá. Maria Madalena, dizem os textos sagrados do cristianismo,
permanecera distante, chorando, quando dirigiu o olhar em direção ao
túmulo e avistou dois anjos, que lhe perguntaram: "Mulher, por que você
está chorando?". Ela respondeu: "Levaram embora meu Senhor e não sei
onde o puseram". Maria Madalena então olhou para trás e viu uma figura
humana em pé que ela pensou se tratar do jardineiro, à qual se dirigiu:
"Se o tirou daqui, diga onde o colocou e eu irei buscá-lo". A resposta
veio curta: "Maria". Nesse momento ela reconheceu Jesus e respondeu:
"Mestre". Descrita no Evangelho de São João, essa história, tão singela
quanto misteriosa, resistiu e se fortaleceu com a passagem dos milênios.
Para os cristãos, a ressurreição tem mais valor do que os sermões e
os milagres de Jesus em vida. Como disse São Paulo aos coríntios, sobre
ela foi erguida toda a catedral de fé do cristianismo. Sem ela, toda a
esperança humana se resume aos limites da vida terrena. Com ela, a vida
terrena é uma vida vicária, uma vida no lugar da verdadeira vida eterna.
"Quem crê em mim, ainda que morra, viverá, e quem vive e crê em mim
nunca morrerá", disse Jesus.
Do ponto de vista do proselitismo religioso, do convencimento dos
fiéis, a ressurreição é vital pela transcendência. Ela é a garantia de
uma graça concedida a toda a humanidade - a da vida eterna. "Sob o
aspecto antropológico da fé, a doutrina da ressurreição é a resposta à
vontade mais primitiva do ser humano, a da imortalidade", diz monsenhor
Antonio Luiz Catelan Ferreira, teólogo da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. O cristianismo conquistou o paganismo romano com a
promessa da vida eterna, de mãos dadas com o Cristo ressurrecto. Nas
palavras do filósofo marxista alemão Ernst Bloch (1885-1977): "Não foi a
moralidade do Sermão da Montanha que permitiu ao cristianismo
conquistar o paganismo romano, e sim a crença de que Jesus se erguera
dos mortos. Numa era em que os senadores romanos competiam para ver quem
tinha mais sangue de cordeiro na própria toga - acreditando que isso
evitaria a morte -, o cristianismo competia pela vida eterna, e não pela
moralidade"
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