Em setembro, astrônomos russos descobriram o ISON, que deve ser avistado a olho nu da Terra no final do ano que vem e poderá brilhar mais do que a Lua. Entenda o que pode acontecer até a sua visita - O ISON (em destaque) não é mais do que um pontinho luminoso a quase um bilhão de quilômetros da Terra. Mas se nada der errado durante sua viagem, ele tem tudo para ser um grande espetáculo para os amantes da astronomia (E. Guido, G. Sostero, N. Howes - Remanzacco Observatory, Italy)
Neste exato momento, a um bilhão de quilômetros, mais ou menos entre as
órbitas de Saturno e de Júpiter, um cometa segue a toda velocidade em
direção ao Sol. Quando passar próximo à Terra, no final do ano que vem,
seu brilho será o mais intenso já registrado no céu em toda a história,
superando o da Lua Cheia. A oportunidade é única: quando seguir seu
caminho, o ISON, como foi batizado, não voltará tão cedo.
O cometa foi descoberto no último dia 21 de setembro, quando uma dupla
de astrônomos amadores do International Scientific Optical Network
(ISON), observatório da Rússia, avistou algo novo na constelação de
Câncer. Mal identificaram o pontinho luminoso, Artyom Novichonok e
Vitaly Nevski publicaram as coordenadas aproximadas no site da União
Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês). Nas horas
seguintes, outras praças ao redor do mundo começaram a acompanhar
imediatamente a aproximação do objeto, reconhecido oficialmente pela IAU
como um cometa – e nomeado de C/2012 S1 (ISON), em homenagem ao centro
russo – três dias depois.
Mas por que o ISON é razão para tamanho entusiasmo entre os amantes da
astronomia? A resposta é simples, segundo o astrofísico Gustavo Rojas,
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar): o ISON pode brilhar, e
brilhar muito. “Os astrônomos utilizam uma escala de magnitudes para
indicar o brilho dos objetos celestes. Nessa escala, quanto menor o
número, maior o brilho. E se o ISON sobreviver, algumas projeções
indicam que a magnitude será de -13. Na escala, números negativos
indicam corpos muito brilhantes”, afirma.
Não é pouca coisa, visto que a Lua Cheia tem magnitude -12,7 e Vênus, o
planeta mais brilhante do sistema Solar, -4,8. Ou seja, pode ser que
esse cometa passe pela Terra e produza um efeito comparável – se não
superior – ao do Ikeya-Seki, que teve magnitude -10 (veja lista com os mais brilhantes cometas dos últimos 50 anos).
Como um gato — Os parágrafos acima se referem às mais
otimistas expectativas que circulam pelos sites de aficionados por
astronomia. Por outro lado, sob a máxima cunhada por David Levy, um
famoso observador espacial canadense, segundo o qual essas imensas
rochas que cruzam o sistema solar são iguais a gatos (“cometas têm
cauda, e fazem qualquer coisa que quiserem”), há astrofísicos que
preferem adotar um discurso mais cauteloso. Pode ser que o ISON de fato
proporcione um espetáculo superior aos grandes cometas avistados no
século 20. Mas também pode ser que, tal qual inúmeros outros exemplos,
ele se desintegre muito antes de chegar ao Sol e nem sequer dê o ar da
graça. “Qualquer estimativa agora é como tentar adivinhar quem vai
ganhar a Copa de 2014. Não dá pra dizer”, diz o professor Amaury Augusto
de Almeida, astrofísico do departamento de Astronomia do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP).
A órbita calculada do ISON indica que ele provém da nuvem de Oort, uma
espécie de redoma com trilhões de rochas a quase um ano-luz do Sol. É de
lá que costumam vir os cometas de longo período, denominação dada
àqueles que demoram mais de 200 anos para percorrer seu trajeto de ida e
volta ao Sol.
Normalmente alguma perturbação, como um choque entre duas rochas
gigantes em Oort, joga um corpo para o interior do sistema solar.
Atraído pelo maior campo gravitacional existente, o Sol, ele viaja a
centenas de milhares de quilômetros por hora, contorna a estrela e
retoma o caminho de “casa”, podendo repetir a órbita no futuro ou
simplesmente se perder pelo universo.
Os primeiros cálculos apontam que o ISON tem um período orbital de
impressionantes 1,2 milhão de anos. “Só um ancestral muito antigo do
homem pode tê-lo avistado algum dia”, diz o astrofísico do IAG-USP. Os
cometas de curto período, por sua vez, costumam ser originários do
Cinturão de Kuiper, bem mais próximo. É o caso do popular cometa Halley,
que demora “só” 76 anos para dar sua volta pelo sistema solar.
Coma e cauda — Um cometa é uma espécie de bola de neve suja.
O seu interior é formado por gases congelados (gelo) e poeira cósmica
e, na medida em que vai se aproximando do Sol, a radiação faz com que
esses gases se vaporizem, originando duas coisas: a coma, que envolve o
núcleo do cometa, e uma ou mais caudas. Quando atinge o periélio, ou
aproximação máxima com a estrela, o calor faz com que o cometa alcance
seu pico de atividade, podendo formar uma cauda com milhões de
quilômetros de extensão. Vale lembrar que tudo isso depende de uma série
de fatores, como o tamanho do núcleo, sua composição e a velocidade com
que faz a volta no Sol.
Além do mais, a órbita calculada para o ISON estima que ele passará, no
periélio, a “apenas” 1,4 milhão de quilômetros do astro, o que o
classifica como um cometa sungrazer, ou que faz um voo rasante.
Quanto mais próximo da fonte de calor, mais radiação, mais vaporização
e, consequentemente, maior e mais brilhante sua cauda. Embora ainda seja
muito cedo para determinar o tamanho do ISON, o fato de ele ter um
período orbital extremamente longo indica que não se trata de um objeto
pequeno. A cada vez que contorna o Sol, a radiação faz com que um cometa
perca matéria – uma das explicações para o Halley, cuja passagem é
registrada desde a Antiguidade, ser relativamente pequeno. Dessa forma,
quanto menos vezes um cometa realiza sua passagem pela estrela
incandescente, mais preservado é. E quanto mais matéria ele tiver para
queimar, mais brilhante tende a ficar. Um dos mais importantes cometas
observados no último século, o Hale-Bopp (também originário de Oort),
tinha 40 quilômetros de diâmetro, o maior visto até hoje.
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Boom – Mas o que pode dar errado e nos privar
do brilho do ISON? Em resumo, conforme explicam os astrofísicos ouvidos
pelo site de VEJA, qualquer coisa. “Não existe nenhuma lei da
matemática que indique como um cometa vai se comportar”, explica Enos
Picazzio, também astrofísico do IAG-USP. Quando estiver no periélio, por
exemplo, a radiação intensa pode simplesmente destruir o cometa. Como
tampouco sabemos de que forma está agregada a estrutura interna da rocha
– se tem bolsões de gás com monóxido de carbono, por exemplo –, o
gradual aumento de temperatura durante a aproximação com o Sol pode
desencadear explosões e fragmentá-la. Ainda, como já aconteceu antes, a
interferência de outra força gravitacional pode fazer com que o cometa
se desfaça em vários pedaços muito antes de chegar perto da Terra ou do
Sol. Foi o que aconteceu em 1994, quando o Shoemaker-Levy 9 foi puxado
pela gravidade de Júpiter e se rompeu em 21 pedaços, que depois
colidiram com o maior planeta do nosso sistema.
Reserve a data – Caso o ISON sobreviva à aproximação
com o Sol e siga sem ser incomodado o seu caminho, os astrônomos esperam
que ele seja observável a olho nu por dois meses, entre novembro de
2013 e janeiro do ano seguinte. Pela trajetória calculada, o hemisfério
norte terá uma vista mais privilegiada, mas o cometa também será
observável do hemisfério sul. Quem tiver acesso a um telescópio amador
conseguirá acompanhar a jornada do cometa já a partir de agosto de 2013.
O ponto alto da visita do ISON tem data marcada, de acordo com Amaury
Augusto de Almeida, do IAG-USP. No dia 28 de dezembro de 2013, um mês
depois do periélio, ele realizará a aproximação máxima do nosso planeta:
uma distância de mais ou menos 64,3 milhões de quilômetros.
Também a partir de agosto do ano que vem, quando o ISON estiver a uns
450 milhões de quilômetros do Sol, será possível ter uma melhor dimensão
do quão brilhante o cometa poderá ser. A essa distância, a radiação
deve começar a produzir alguma atividade de vaporização no interior do
núcleo.
De volta para o passado – Além do brilho que pode
exibir, um cometa como o ISON representa a oportunidade de os cientistas
estudarem um material proveniente literalmente dos primórdios do
sistema solar. Acredita-se que a nuvem de Oort contenha as propriedades
que deram origem ao nosso sistema, há 4,6 bilhões de anos. “Um cometa é
uma espécie de fóssil do sistema solar, que carrega uma matéria
primitiva”, afirma o professor Enos Picazzio.
Estudar a composição desse material, seja por fotografias clicadas por
sondas espaciais que orbitam a Terra ou Marte, seja nas observações por
telescópio, pode permitir um contato com compostos que, de outra forma,
estariam totalmente fora do nosso alcance. Para se ter uma ideia, a NASA
lançou, nos anos 70, uma sonda espacial com o objetivo de ir o mais
longe possível. Após mais de 30 anos de caminhada rumo ao sistema solar
exterior, a Voyager é hoje o objeto enviado da Terra mais distante no
espaço. Mesmo assim, o ISON vem de uma distância pelo menos 500 vezes
maior. “A chegada do ISON é como se o tempo estivesse vindo em nossa
direção”, concluiu o professor Picazzio.
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