A cidade é campeã de número de inscritos no site de infidelidade Ashley Madison
Sexo e amores proibídos: São Paulo, a cidade da traição
Muita
gente pode ter sono bem agitado nestes dias, principalmente pouco mais
de 374.000 habitantes de São Paulo. Depois do vazamento de quase 10Gb de
informações sobre inscritos no site de relacionamento extraconjugal Ashey Madison, o site americano Business Insider
divulgou a lista das 25 cidades com mais "clientes" dispostos a trair
seus parceiros. São Paulo está no topo da lista, seguida por Nova York e
Sydney.
Hackers vazam dados de usuários de site de infidelidade 'Ashley Madison'
Confira as cidades com maior número de inscritos no Ashley Madison: 1 - São Paulo - 374.542
2 - Nova York - 268.171
3 - Sydney - 251.813
4 - Toronto - 222.982
5 - Santiago - 218.125
6 - Melbourne - 213.847
7 - Houston - 186.795
8 - Los Angeles - 181.918
9 - Londres - 179.129
10 - Chicago - 162.444 11 - Rio de Janeiro - 156.572
12 - Madri - 135.294
13 - Bogotá - 123.559
14 - Brisbane - 118.857
15 - Brooklyn - 110.859
16 - Miami - 109.505
17 - Calgary - 107.021
18 - San Antonio - 99.157
19 - Dalas - 97.736 20 - Brasília - 97.096
21 - San Diego - 94.953
22 - Perth - 88.754
23 - Las Vegas - 87.720
24 - Atlanta - 86.897
25 - Filadélfia - 86.018
As inúmeras
possibilidades de conexão digital representam uma estupenda conquista
para a sociedade atual. Mas a ânsia de estar online com tudo e,
principalmente, com todos, o tempo inteiro, nos lança na era da solidão
acompanhada
Solitários da vida moderna: Nasce um novo personagem, o cibersolitário
PRÓXIMOS,
DISTANTES Ainda que não seja utilizado, um celular por perto prejudica a
empatia e a comunicação entre as pessoas — mesmo entre casais.Todas as
fotografias desta reportagem foram produzidas com smartphones (Foto: Luiz Maximiano e Caio Guateli/VEJA)
Você já viu esta cena. Agora mesmo ela pode estar ocorrendo
ao seu lado. Um casal, dois adolescentes, talvez uma criança dividem
uma mesa num restaurante. É razoável supor que se trate de uma família. É
razoável supor que a ideia de comer fora tenha surgido como um programa
- com o perdão da redundância - familiar. E, no entanto, o que se vê é
cada um entretido com seu smartphone, alheio aos vizinhos de cadeira, os
dedos dos mais novos movimentando-se com destreza de pianista, os dos
mais velhos sem tanta agilidade, é fato, e nem por isso menos ansiosos.
Na tela do celular, um desfile infindável de fotos, vídeos, WhatsApp,
Facebook, Twitter e Instagram. Ainda que os personagens e o ambiente
sejam outros - namorados na fila da bilheteria do cinema, um grupo de
amigos em um show, pais à espera dos filhos na saída da escola -, tal
tipo de comportamento é cada vez mais frequente. Eles estão juntos, mas
separados. Estão próximos, porém distantes. Estão acompanhados - mas
sozinhos. São os cibersolitários.
Bem-vindos à Era Virtual. Essa seria a primeira e mais óbvia
conclusão. Em tempos digitalmente corretos, qualquer pensamento
contrário a esse soaria como um elogio à "magia", ao "romantismo", ao
encantamento de - para usar um termo adequado - "outrora". Entretanto,
não há nenhuma magia, romantismo nem encantamento no atraso. Seria
absolutamente descabido demonizar os avanços tecnológicos, sobretudo com
o advento da internet, e a revolução trazida por eles, em especial no
quesito comunicação. Ao mesmo tempo, parece inegável haver um ponto a
partir do qual as relações virtuais passam a andar na mão oposta à de
suas principais conquistas - minando os relacionamentos pessoais
"reais".
Diz a psicóloga e socióloga Sherry Turkle, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em seu livro Alone Together
(Sozinhos Juntos): "A tecnologia é sedutora quando o que oferece
preenche nossas vulnerabilidades humanas. E somos, realmente, bastante
vulneráveis. Somos solitários, mas temos medo da intimidade. As conexões
digitais oferecem a ilusão de estarmos acompanhados, contudo sem as
demandas da amizade. Nossa vida virtual permite nos escondermos uns dos
outros, mesmo quando estamos interessados. Preferimos teclar a falar".
Certa vez, durante sua pesquisa de campo, ela ouviu de um rapaz de 18
anos: "Um dia gostaria de aprender a ter uma conversa de verdade".
Até pouco tempo atrás, Sherry Turkle era uma inconteste entusiasta do
mundo digital. Durante seus estudos sobre o tema, porém, passou a
identificar alguns incômodos exageros no mergulho no universo virtual.
Isso a levou a rever sua posição, sem deixar de reconhecer os benefícios
de viver na Idade da Web. De acordo com a especialista, o argumento
mais usado por aqueles que preferem se comunicar quase que
exclusivamente por meio de ferramentas digitais é a possibilidade de
controlar cada palavra da conversa e, dessa forma, eliminar qualquer
perspectiva de ser surpreendido - para o bem e para o mal. No
Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Hospital das
Clínicas, em São Paulo, a psicóloga Dora Sampaio Góes,
vice-coordenadora do Programa de Dependência Tecnológica, já atendeu
até mesmo gente que havia perdido o elo com todos os amigos feitos
pessoalmente e só conseguia cultivar os virtuais. "É claro que, nesses
casos extremos, o indivíduo já tem pouca habilidade social. A internet
não muda a índole de ninguém. O que vicia é a possibilidade de melhorar o
conceito sobre si mesmo, e isso é justamente o que aumenta a solidão: o
abismo entre a persona virtual e a real", acredita ela.
Uma pesquisa feita pelo Pew Research Center nos Estados Unidos com 2
000 usuários de smartphone, divulgada em abril, mostrou que nada menos
do que 47% dos jovens adultos, na faixa entre 18 e 29 anos, usam o
dispositivo para deliberadamente evitar as pessoas ao redor - ainda que,
vez por outra, possa haver algum tipo de interação entre
cibersolitários. A porcentagem diminui conforme a idade aumenta. No
mesmo levantamento, enquanto 54% do total de entrevistados assume que o
telefone nem sempre é necessário, 46% dizem que não podem mais viver sem
ele. Embora o aparelho suscite mais emoções positivas do que negativas -
79% disseram sentir-se mais produtivos com ele, por exemplo -, 57%
mencionaram "distração excessiva" e 36%, "frustração" ao utilizar o
celular.
A mera presença de um smartphone - mudo, apagado - já é suficiente
para interferir na qualidade da conversa entre duas pessoas. Foi o que
revelou o estudo "The iPhone effect" (O efeito iPhone), realizado em
2014. Nele, pesquisadores da universidade Virginia Tech observaram 100
duplas que interagiam em um café por dez minutos. Aquelas que trocaram
palavras sem a presença de um iPhone à mesa reportaram maior empatia e
proximidade em relação ao interlocutor. O trabalho, feito com
voluntários, comparou o contato estabelecido entre pessoas que se
conheciam e desconhecidas entre si. Até os desconhecidos que conversaram
sem o smartphone por perto relataram um grau maior de empatia do que os
conhecidos que fizeram o mesmo na presença de um celular.
A
comemoração do domingo de Páscoa reafirma o poder da crença na volta à
vida do filho de Deus morto na cruz, uma ideia que se fortalece com a
passagem dos milênios
Fé e ciência - Ressureição: o grande dogma do cristianismo
PIERO DELLA FRANCESCA – Século XV: em exposição no Museo Civico de Sansepolcro, na Itália(ALINARI/Getty Images)
Por
que, depois de pouco menos de 2 000 anos, a crença na ressurreição de
Jesus Cristo, um dos mais extraordinários mistérios da fé, ainda exerce
efeito tão arrebatador? Disse o apóstolo Paulo, o grande disseminador
das palavras de Jesus, em suas cartas aos coríntios, anotadas no Novo
Testamento: "Se Cristo não foi ressuscitado, nós não temos nada para
anunciar e vocês não têm nada para crer. (...) Se Cristo não foi
ressuscitado, a fé que vocês têm é uma ilusão. (...) Se Cristo não
ressuscitou, os que morreram crendo nele estão perdidos. (...) Se a
nossa esperança em Cristo só vale para esta vida, nós somos as pessoas
mais infelizes deste mundo". A ideia da ressurreição foi a faísca do
cristianismo, que então deixou de ser uma seita do Império Romano para
se transformar na maior religião do planeta.
Três dias haviam se passado da morte agonizante de Jesus na cruz do
Gólgota, ponto final do calvário. Era uma madrugada de domingo, Páscoa
judaica. Ainda estava escuro, e Maria Madalena foi ao sepulcro ungir o
corpo de Jesus com especiarias. Ao se aproximar, viu o túmulo aberto e
saiu correndo para avisar os discípulos. Eles entraram e encontraram o
sepulcro vazio. Apenas a mortalha que envolvia o corpo de Cristo estava
lá. Maria Madalena, dizem os textos sagrados do cristianismo,
permanecera distante, chorando, quando dirigiu o olhar em direção ao
túmulo e avistou dois anjos, que lhe perguntaram: "Mulher, por que você
está chorando?". Ela respondeu: "Levaram embora meu Senhor e não sei
onde o puseram". Maria Madalena então olhou para trás e viu uma figura
humana em pé que ela pensou se tratar do jardineiro, à qual se dirigiu:
"Se o tirou daqui, diga onde o colocou e eu irei buscá-lo". A resposta
veio curta: "Maria". Nesse momento ela reconheceu Jesus e respondeu:
"Mestre". Descrita no Evangelho de São João, essa história, tão singela
quanto misteriosa, resistiu e se fortaleceu com a passagem dos milênios.
Para os cristãos, a ressurreição tem mais valor do que os sermões e
os milagres de Jesus em vida. Como disse São Paulo aos coríntios, sobre
ela foi erguida toda a catedral de fé do cristianismo. Sem ela, toda a
esperança humana se resume aos limites da vida terrena. Com ela, a vida
terrena é uma vida vicária, uma vida no lugar da verdadeira vida eterna.
"Quem crê em mim, ainda que morra, viverá, e quem vive e crê em mim
nunca morrerá", disse Jesus.
Do ponto de vista do proselitismo religioso, do convencimento dos
fiéis, a ressurreição é vital pela transcendência. Ela é a garantia de
uma graça concedida a toda a humanidade - a da vida eterna. "Sob o
aspecto antropológico da fé, a doutrina da ressurreição é a resposta à
vontade mais primitiva do ser humano, a da imortalidade", diz monsenhor
Antonio Luiz Catelan Ferreira, teólogo da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. O cristianismo conquistou o paganismo romano com a
promessa da vida eterna, de mãos dadas com o Cristo ressurrecto. Nas
palavras do filósofo marxista alemão Ernst Bloch (1885-1977): "Não foi a
moralidade do Sermão da Montanha que permitiu ao cristianismo
conquistar o paganismo romano, e sim a crença de que Jesus se erguera
dos mortos. Numa era em que os senadores romanos competiam para ver quem
tinha mais sangue de cordeiro na própria toga - acreditando que isso
evitaria a morte -, o cristianismo competia pela vida eterna, e não pela
moralidade"
Pesquisas de
historiadores ajudam a confirmar que, de fato, Jesus caminhou sobre a
região da Galileia há 2.000 anos. As descobertas, no entanto, não devem
satisfazer aqueles que levam a Bíblia ao pé da letra
Galileia há 2.000 anos: O que a história tem a dizer sobre Jesus
O
pesquisador americano Joseph Atwill é categórico: Jesus não passa de um
mito. O personagem, suas palavras e ações fazem parte de uma elaborada
narrativa inventada por aristocratas romanos, com o objetivo de
pacificar os judeus - um povo envolvido em sucessivas rebeliões contra o
império. Atwill apresentou suas ideias em outubro, numa conferência
realizada em Londres, na Inglaterra. "Os romanos perceberam que o melhor
caminho para acabar com a atividade missionária fervorosa entre os
judeus era criar um sistema de crenças que competisse com o deles",
afirmou.
Joseph Atwill não é um acadêmico da área - sua formação é em ciências
da computação. Ele não publicou suas pesquisas em periódicos
científicos e suas ideias estão longe de ser apoiadas por seus pares. No
entanto, sua teoria recebeu atenção mundial, e foi debatida entre
pesquisadores, jornalistas e religiosos. Seu poder está no fato de ela
ser o capítulo mais novo de uma antiga discussão - com quase 2.000 anos
de idade - sobre qual é a verdade por trás de Jesus, seus feitos,
milagres e mensagem.
Para Atwill, a ideia de que Jesus não passaria de uma montagem
histórica deveria funcionar como um duro golpe aplicado pela ciência
contra a ignorância propagada pela religião. "Embora o cristianismo
possa ser um conforto para alguns, ele também pode ser muito prejudicial
e repressivo, uma forma insidiosa de controle mental que levou à
aceitação cega da servidão, pobreza e guerra ao longo da história", diz.
Seu erro é que a existência de Jesus não é mais uma questão de fé, mas
de ciência.
Os acadêmicos da área - historiadores das mais prestigiadas
universidades do mundo - afirmam restar poucas dúvidas sobre a questão.
"Volta e meia aparecem essas hipóteses sobre Jesus ser um mito. Mas, do
ponto de vista metodológico, parece bastante claro que ele realmente
existiu", diz André Chevitarese, professor do Instituto de História da
UFRJ e autor dos livros Jesus Histórico - Uma Brevíssima Introdução e Cristianismos: Questões e Debates Metodológicos (Editora Kline), em entrevista ao site de VEJA.
Jesus histórico - Os historiadores deixam claro que o
personagem estudado por eles não é o mesmo da religião. Eles estão em
busca de informações sobre o homem chamado Jesus, que viveu na Galileia
há 2.000 anos e em torno do qual foi criada a maior religião do mundo.
"Os historiadores não buscam um ser divino, que é impossível de
quantificar, medir e avaliar. O Jesus da história é estritamente
humano", afirma Chevitarese.
Nessa busca pelo Jesus histórico, a perspectiva dos pesquisadores
lembra a de São Tomé, o apóstolo que duvidou de Cristo e exigiu provas
de sua ressurreição. Do mesmo modo, os historiadores não podem acreditar
cegamente no que dizem as religiões e seus líderes, mas devem embasar
tudo que afirmam em evidências. Essas provas não precisam ser,
necessariamente, físicas, como a descoberta de uma ossada ou um túmulo.
"Se esse critério fosse adotado, 95% dos personagens históricos não
seriam reconhecidos", diz o pesquisador.
Hoje, o critério mais importante que os pesquisadores possuem para
atestar a existência de Jesus é o da múltipla confirmação: autores
diferentes, que nunca se conheceram, afirmam fatos semelhantes sobre o
personagem.
Os textos mais antigos sobre Jesus datam do século I, em sua maioria
escritos por seguidores do cristianismo. A exceção é Flávio Josefo, um
historiador judeu que tentou escrever toda a história do povo judaico,
desde o Gênesis até sua época. Ele cita Jesus, João Batista e Tiago
(irmão de Jesus) como exemplos de homens que lideraram movimentos
messiânicos na região da Galileia.
No século seguinte, surgem mais textos de historiadores que citam
Jesus e, principalmente, o movimento iniciado por seus seguidores.
"Esses dados servem para mostrar que não estamos no campo da mitologia.
São autores judeus e romanos, que nunca se tornaram cristãos, e permitem
afirmar de modo muito seguro que Jesus é um personagem histórico."
O homem - A esses textos se somam descobertas
recentes da arqueologia que fornecem informações precisas sobre o tempo e
o espaço em que Jesus viveu. Os dados não são abundantes, mas permitem
esboçar como se pareceria esse personagem histórico real. "Não podemos
afirmar exatamente a cor de pele e cabelo de Jesus. A partir dos
mosaicos e dos afrescos que retratam outros romanos, judeus e sírios que
viviam no mesmo ambiente, a tendência maior é de vermos um Jesus de
cabelos preto, com a pele queimada por causa de sol", diz Chevitarese.
Segundo a maior parte dos historiadores, Jesus não nasceu em Belém,
como afirmam algumas passagens bíblicas, mas em Nazaré - uma pequena
aldeia montanhosa da Galileia, cuja população era camponesa e girava em
torno de 500 indivíduos. "A aldeia não tinha nenhuma relevância
política, não possuía construções públicas ou sinagogas. Os escritores
dos Evangelhos mudaram o lugar por razões teológicas, para que o
nascimento de Cristo confirmasse algumas profecias do Antigo
Testamento."
Jesus teria nascido na pequena vila em torno do ano 4 A.C., e teria
passado a maior parte de sua vida na região, sem nunca pisar em uma
cidade grande. A exceção acontece quando ele entra em Jerusalém - ato
que teria como consequência sua crucificação pelas autoridades romanas.
Sua morte deve ter acontecido por volta dos anos 35 e 36 D.C., pouco
tempo depois de João Batista também ter sido morto pelos romanos,
segundo a narrativa de Flávio Josefo.
A mensagem - Segundo os historiadores, tão
importante quanto quem era Jesus é o que ele dizia - foi sua mensagem
poderosa que repercutiu em todo o mundo e, séculos mais tarde, deu
origem às diversas vertentes religiosas. "Ele era um camponês pobre que,
diante das injustiças que o mundo apresentava, defendia a instauração
do Reino de Deus - um reino de justiça e fartura, sem hierarquias
sociais", diz Chevitarese.
A mensagem espiritual - e messiânica- de Jesus era voltada
especialmente aos judeus de seu tempo. Ela, no entanto, adquiria caráter
político ao afrontar o Império Romano e setores da elite judaica. Foi
justamente a força dessa mensagem, e os rebanhos que ela poderia
angariar, que levaram à sua crucificação e morte. Como aconteceu muitas
vezes na história, no entanto, o assassinato de Jesus não conseguiu
matar suas ideias.
Jesus teológico - Jesus nunca chegou a colocar suas
ideias no papel (nem poderia, os historiadores afirmam que ele era
analfabeto). A maior parte do que chega aos dias de hoje sobre o
personagem e suas ideias foi escrito por seguidores das primeiras
comunidades cristãs, duas ou três gerações depois de sua morte. Os
autores não estão preocupados em transmitir uma versão fiel dos fatos,
como uma biografia, mas em defender os pressupostos de sua fé. Assim, os
primeiros cristãos que escrevem sobre Jesus - os evangelistas - já não
estão fazendo história, mas teologia.
Nessa época o cristianismo começava a se distanciar do judaísmo em
que ele estava originalmente inserido, e a se aproximar do Império
Romano - o que exigiu algumas mudanças em sua mensagem. "Ao serem
escritas, suas ideias começam a ser diluídas, pois vários filtros são
impostos. Primeiro, Jesus é um indivíduo de fala aramaica, mas quase
tudo que conhecemos sobre ele está escrito em grego. Além disso, os
textos são destinados a convencer um público urbano, muito diferente dos
camponeses para quem Jesus pregava", diz Chevitarese.
Com o passar dos séculos, isso abriu margem para que vários teólogos
interpretassem as escrituras de maneiras variadas, criando as inúmeras
vertentes do cristianismo que se encontram nos dias de hoje. Assim, a
depender de quem faz a homilia, Jesus pode ser visto como um personagem
sagrado ou humano, santo ou falho, foco de paz ou de guerra, de
fundamentalismo ou de liberdade.
É por isso que o estudo do Jesus histórico é importante. "Ele pode
ajudar a colocar um freio naqueles que querem transformar pressupostos
teológicos em verdades históricas", diz Chevitarese. Seu objetivo não é
acabar com a teologia ou retirar da história de Jesus seu caráter
espiritual. O que a ciência faz é descobrir o que, de fato, pode ser
afirmado sobre o homem e sua época. As muitas lacunas que permanecerão
abertas apresentam mistérios suficientes para que a religião possa se
instalar.
Os autores dos Evangelhos conheceram Jesus?
A maior parte dos historiadores concorda que nenhum dos evangelistas
foi testemunha ocular da vida de Jesus. Os Evangelhos, na verdade,
faziam parte de uma grande variedade de textos que circulavam nos
primeiros séculos depois de Cristo e representavam o que algumas das
comunidades cristãs pensavam (os Evangelhos que foram deixados de lado
pela tradição católica se tornaram conhecidos como apócrifos).
Os textos têm autoria anônima, e os pesquisadores possuem poucas
informações sobre sua exata origem geográfica. O que se sabe é que eles
foram criados a partir de relatos, memórias, tradições e textos mais
antigos, que circulavam entre as primeiras comunidades cristãs. Eles
teriam sido escritos entre o ano 60 e o 120, e só no século II é que
seus autores foram atribuídos — o primeiro Evangelho a Marcos, e o
último a João.
Com o passar dos séculos — e com a ortodoxia cristã tendo relações cada
vez mais próximas ao Império Romano — surgiu a preocupação de delimitar
exatamente quais os textos que guardavam a memória verdadeira sobre
Jesus. Por volta do século IV, depois de sérias disputas teológicas, a
Igreja finalmente escolheu quais haviam sido inspirados por Deus —
criando o cânone do Novo Testamento. "Decidiu-se assim quais textos
seria destruídos e quais preservados, e quais tradições cristãs seriam
perseguidas e quais aceitas pela Igreja", diz André Chevitarese,
professor do Instituto de História da UFRJ e autor dos livros "Jesus
Histórico - Uma Brevíssima Introdução" e "Cristianismos: Questões e
Debates Metodológicos" (Editora Kline), em entrevista ao site de VEJA.
Dentre os textos do Novo Testamento, aqueles que os historiadores
atribuem, de fato, a alguém que conviveu com Jesus são as encíclicas
escritas por Paulo — pelo menos sete delas teriam sido ditadas pelo
apóstolo. "Na forma como o Novo Testamento está organizado, os quatro
Evangelhos aparecem antes dos textos de Paulo. No entanto, as encíclicas
foram escritas primeiro. O pesquisador tem de começar a ler por elas —
assim fica mais fácil entender a evolução das primeiras comunidades
cristãs."
Como era a família de Jesus?
A família de Jesus é citada em diversos pontos das escrituras, de Maria
e José até seus irmãos e primos. No Evangelho de Marcos, o primeiro a
ser escrito, seus parentes são mostrados de forma bastante distanciada.
Em certo momento, eles tratam Jesus como maníaco, afirmando que suas
atividades como pregador só poderiam ser fruto da loucura. Jesus se
afasta, e passa a defender uma nova percepção de família, formada por
aqueles que estão juntos dele, fazendo a vontade de Deus.
Nos outros Evangelhos, no entanto, a família é mostrada como sendo
muito mais próxima do movimento de Jesus — com destaque especial para a
figura de Maria, presente em momentos-chave da história. Em Atos dos
Apóstolos, o livro bíblico que narra o que acontece com os discípulos
após a ressurreição, a família recebe ainda mais destaque: os parentes
de Cristo estão entre os principais pregadores da nova religião cristã
que passa a ser construída. Dessa vez, o destaque fica para Tiago, irmão
de Jesus e um dos principais líderes do cristianismo primitivo.
"Do primeiro texto, em que a família vê Jesus como um louco, ao último,
onde são eles que levam adiante o cristianismo, parece haver uma
contradição — mas não necessariamente. Pode ser que, com o passar do
tempo, a família tenha se reaproximado de Jesus, e tomado seu lugar na
Igreja", diz André Chevitarese.
A citação bíblica aos irmãos de Jesus é alvo de grandes discussões
entre acadêmicos e teólogos, pois pode afrontar uma das principais
crenças da igreja católica: a da virgindade de Maria. Ao longo dos
séculos, os teólogos católicos esboçaram possíveis explicações para
isso. Uma delas diz que eles seriam, na verdade, meios-irmãos de Jesus,
filhos de um primeiro casamento de José. Outra explicação afirma que o
termo grego utilizado no texto bíblico original pode significar tanto
primo quanto irmão, e teria havido uma confusão nas traduções.
Essa segunda interpretação também pode estar correta. "A noção de
família que se apresenta no contexto do século I mediterrâneo é muito
diferente da atual. Ela é uma família extensiva, onde todos os parentes
orbitam em torno de uma figura masculina mais velha. Nesse ambiente, o
primo pode, sim, ser um irmão."
João Batista existiu?
Assim como Jesus, João Batista é um personagem histórico. Segundo
diversas fontes da época, ele era um importante pregador judeu que viveu
na Galileia durante o século I. O tipo de movimento messiânico
comandado por João e Jesus era bastante comum na época. Esmagados pelo
Império Romano, os camponeses judeus eram levados a esperar pela
intervenção de um salvador que fosse mudar os rumos da história. O
historiador judeu Flávio Josefo cita dezenas de candidatos a messias em
seus textos.
Segundo as fontes históricas, o movimento liderado por João Batista
chegou a ser, por certo tempo, mais importante que o de Jesus. "O número
de páginas que Josefo dedica a Batista é muito maior do que o dedicado a
Jesus. O historiador narra como Herodes reconhece sua força e manda
matá-lo. Isso mostra que era Batista quem realmente desafiava Roma em
sua época", diz André Chevitarese.
Na verdade, segundo os historiadores, Jesus pode ter sido um discípulo
de João Batista — teria sido com ele que aprendeu a batizar, exorcizar e
a desafiar as autoridades romanas. Acontece que, em algum momento,
discípulo e mestre romperam. "As ideias dos dois eram muito diferentes.
Enquanto João acreditava em preparar o caminho para um personagem divino
intervir na história, Jesus dizia que essa personagem já veio, e era
ele mesmo", diz o pesquisador.
Os próprios Evangelhos podem servir para mostrar o quanto João Batista
era importante em seu tempo histórico. Segundo os pesquisadores, a
necessidade que os evangelistas demonstram ter de citá-lo em seus textos
se deve ao fato de sua memória ainda continuar forte no século I.
Assim, os autores precisam mostrar que esse personagem, que até então
permanecia independente do cristianismo, poderia ser amarrado à sua
própria teologia. "Os cristãos tiveram a necessidade de mostrar que João
Batista enxergou em Jesus o Messias. Assim, eles conseguiram demonstrar
ainda mais o valor de Jesus."
Jesus sabia ler?
Jesus demonstra saber ler em dois momentos da Bíblia. O primeiro deles
acontece no Evangelho de Lucas, quando ele entra em uma sinagoga na
cidade de Nazaré e começa a ler textos escritos pelo profeta Isaías. O
segundo é mostrado no Evangelho de João, onde Jesus aparece escrevendo.
Logo depois de intervir no apedrejamento de uma mulher — usando o
conhecido desafio de "quem nunca tiver pecado que atire a primeira
pedra" — ele se abaixa e começa a escrever no chão.
O problema é que ambos os trechos apresentam problemas. Não existe
nenhum indício de sinagoga em Nazaré e, mais importante, o verbo grego
para ler é o mesmo para memorizar — Jesus poderia simplesmente ter
decorado a passagem de Isaías. Ao mesmo tempo, o trecho tirado do
Evangelho de João (capitulo 8, versículo 8) é bastante discutido entre
os pesquisadores. Muitos deles vêm a passagem como uma alteração tardia
feita à Bíblia, adicionada já no século V.
A verdade é que as estimativas dos historiadores mostram que entre 95% e
98% da população que vivia naquela região do mediterrâneo era
analfabeta. Seria natural que Jesus, um camponês pobre que nasceu e
nunca saiu daquele ambiente, estivesse dentro dessa estatística.
"Na verdade, o maior incômodo com o fato de Jesus ser analfabeto vem do
mundo contemporâneo. Hoje, se assume que uma liderança — politica,
religiosa ou econômica — precisa ter feito até faculdade, quanto mais
saber ler. Mas essa não era uma demanda dos discípulos."
Qual era a religião de Jesus?
"Jesus nasceu judeu, viveu judeu, e morreu judeu", responde André
Cheviterese. Foi só nos séculos seguintes à sua morte que a Igreja
começou a se distanciar do judaísmo e a se aproximar do Império Romano.
Nesse processo, a teologia cristã vai se tornando cada vez mais arredia
aos judeus, resvalando até no antissemitismo — o que transparece nos
Evangelhos, principalmente no de João.
"Acho que a base para se entender isso está na tensão que é criada
entre a comunidade cristã joanina [que se pretendia seguidora do
apóstolo João] e a religião judaica. A partir da década de 80 do século
I, seu proselitismo se torna tão agressivo que eles são expulsos das
sinagogas. A partir daí, se tornam muitos hostis", diz o pesquisador.
Assim, no Evangelho de João (capítulo 8, versículo 44), Jesus se refere
aos judeus como Filhos do Diabo, adoradores de um Deus homicida e
mentiroso. Do mesmo modo, a narração deixa de mostrar Jesus sendo morto
de forma sumária pelos romanos. Segundo os textos, ele é assassinado a
pedido dos judeus — Pôncio Pilatos até lava as mãos.
"Essas passagens não deixaram de ser repercutidas desde então, e foram
usadas, inclusive, para perseguir os judeus. Por sorte, a Igreja se
desviou dessa visão nas últimas décadas", afirma o historiador.
Jesus seria casado com Maria Madalena?
Maria Madalena é uma das figuras mais importantes e disputadas de todo o
cristianismo. Ela costuma ser usada como a prova de que Jesus teria
apóstolos e apóstolas — o que contraria a doutrina religiosa de só
permitir padres do sexo masculino. Mais que isso, ela é uma personagem
central dos Evangelhos, pois é a primeira a visitar o sepulcro de Jesus e
perceber que seu corpo não estava lá — e a primeira a reconhecer o
Cristo ressuscitado.
Do século I ao IV, houve uma grande disputa dentro do cristianismo para
decidir se mulheres poderiam ou não assumir funções de proeminência nos
ritos religiosos. "No ano 591, o papa Gregório Magno proferiu uma
homilia onde juntava duas personagens diferentes citadas no Evangelho de
Lucas. Ele afirma que uma mulher vista como pecadora (uma prostituta) e
Maria Madalena eram a mesma pessoa. Desse modo, sugere que as mulheres
são demoníacas", afirma Chevitarese.
No século XIX, a Igreja finalmente voltou atrás: Maria Madalena deixa
de ser prostituta e é promovida a santa. Mesmo assim, sua imagem como
pecadora continua entranhada no imaginário cristão.
Quanto às teorias que defendem seu casamento com Jesus, elas têm origem
em uma passagem do Evangelho de Felipe, um dos livros apócrifos, onde
os dois personagens aparecem se beijando. "Analisando esse trecho com os
olhos de hoje, alguns pesquisadores enxergaram um elemento erótico na
cena. Mas no mesmo evangelho Jesus beija seus apóstolos homens. Isso não
tinha nada de anormal. Usar isso para afirmar que Jesus tinha um caso
com Maria Madalena passa longe de fazer história."
Jesus foi traído por Judas?
Os pesquisadores costumam concordar que Jesus foi traído e entregue por
um de seus discípulos para o exército romano. Mas o traidor é
desconhecido. A figura de Judas — desde seu nome até seus trejeitos —
parece ter sido criada sob medida para objetivos teológicos.
"Ele é fruto de uma teologia evidentemente antijudaica. Seu nome remete
a Judá, a Judeia. Suas características também vêm das caricaturas que
se fazem dos judeus: ele ama o dinheiro, é traidor e ladrão. Do século 2
em diante, isso vai, de novo, ser usado como ferramenta antissemita.
Quando pensado em seus efeitos de longo prazo, isso é muito cruel. É só
lembrar da malhação de Judas, por exemplo", diz Chevitarese.
As próprias narrativas da morte de Judas servem como exemplo de que o
personagem é mais fruto da teologia do que de história. No Evangelho de
Mateus, ele se enforca. No Ato dos Apóstolos, ele tropeça, rasga a
barriga e morre. E nos textos de Papias, um autor cristão contemporâneo
ao Evangelho de João, ele come até explodir.
Jesus foi crucificado?
A crucificação é, sim, um fato histórico. Já o contexto que a cerca,
como o julgamento de Jesus e a via-crúcis, não é.
Ser pregado em uma cruz era a penalidade aplicada pelos romanos aos
escravos que matavam seus senhores, aos escravos que se rebelavam e aos
rebeldes políticos — categoria onde Jesus poderia ser facilmente
incluído. O historiador Flávio Josefo, por exemplo, cita uma cena onde
milhares de judeus foram crucificados após uma rebelião em Jerusalém.
Quanto à Via Crúcis e ao julgamento, eles dificilmente seriam
realizados pelo governo romano naquelas circunstâncias. Jesus foi preso
em Jerusalém, na sexta-feira que antecede a Páscoa. Acontece que nessa
época do ano a cidade estava lotada de judeus de todos os cantos, desde o
Mediterrâneo até o Oriente Médio, vindos para as festividades. Além
disso, a Páscoa judaica não é uma festa apenas religiosa, mas também
política — ela celebra a passagem dos hebreus da escravidão para a
liberdade.
"Nesse ambiente explosivo, é claro que as autoridades romanas não iam
prender uma liderança judaica, fazer um julgamento público e colocá-lo
para desfilar de forma humilhante pela cidade, arrastando uma cruz. Isso
seria uma provocação desnecessária, um tiro no pé", diz Chevitarese.
Pôncio Pilatos é um personagem histórico. Os pesquisadores sabem, a
partir de escavações arqueológicas da década de 1960, que ele realmente
foi um procurador romano radicado na região da Judeia. Mas não existe
nenhum registro dos ritos seguidos pelo personagem na Bíblia. As
autoridades romanas, por exemplo, nunca se ofereceram para soltar um
prisioneiro judeu, a gosto do público. "Essas passagens foram colocadas
para reforçar o caráter messiânico de Jesus. Elas são baseadas em
profecias do Antigo Testamento, mas sua plausibilidade histórica é
zero."